segunda-feira, julho 9

Dentes Caninos - Lanthinos

Este filme grego, de estreia do diretor Yorgos Lanthinos, disputou o Oscar na categoria Melhor Filme Estrangeiro, em 2011. A gente pode dizer que ele é no mínimo estranho. Conta a história de um casal e seus três filhos jovens (duas moças e un rapaz), entre adolescentes e jovem adulto, que vivem no mais completo isolamento. Somente o pai sai de casa diariamente, para trabalhar, deixando todos os demais sem nenhum contato com o mundo exterior, nem mesmo através de rádio, televisão, ou até mesmo música. Telefone ou livros, nem pensar. 


A única forma de aprendizado dos filhos se dá através de fitas gravadas pelos próprios pais, que ensinam palavras com o sentido distorcido. Uma busca de manter a dominação total através da linguagem. Carabina é um pássaro, e Zumbi é uma pequena flor amarela, na livre associação de sentido, criando um mundo artificial. Os aviões que cruzam o céu são apresentados como se fossem de brinquedo, e que volta e meia caem um no quintal. Para alegria daqueles jovens idiotizados. A únicas imagens possíveis de serem vistas numa antiga TV são as que eles mesmo produzem em câmeras de videocassete. 


A paranoia do pai é manter os filhos afastados de todos os possíveis perigos que o mundo exterior possa apresentar. Ele forja um mito de que só é possível deixar a casa de carro. E para dirigir o carro, os jovens precisam atingir a idade em que o dentes caninos vão cair e serem substituídos por outros. Um mito que perdura. O único ser estranho que adentra ao lar é uma vigilante da fábrica em que o pai trabalha, contratada para satisfazer os desejos sexuais do filho mais velho. Ela sempre chega vendada ao local onde a casa está encravada, bem a esmo. Não há vizinhos, e tudo funciona sob o mais rigoroso controle do pai. 


A história assume contornos do Mito da Caverna de Platão, ou de Matrix, dos irmãos Wachowski, onde o verdadeiro mundo é totalmente velado aos filhos, com a diferença que não existe a pílula vermelha a ser tomada.Também tem umas pinceladas de George Orwell, que em 1984 nos apresenta a Novilíngua, transformando o sentido das palavras. Mas o controle nunca chega a ser total, como sempre nos mostra as tradições. Um sentimento de liberdade há de brotar, mesmo onde a tirania é suprema. 

As diversões dos jovens sempre se voltam para algum tipo de crueldade. Há algo de sádico ou de masoquismo no ar. Logo no início do filme, a mais jovem mobiliza os demais para uma disputa sobre quem consegue manter o dedo por mais tempo aparando a água de uma torneira de água quente. O roteiro do filme parece querer mostrar que até mesmo quando se procura controlar os pensamentos das pessoas, alguma forma de violência é gerada. 

A questão dramática de fundo é. Esses jovens vão ficar submetidos ao jugo do pai, que é psicoticamente movido pela boa intenção de defender os filhos do resto do mundo. Ou será que eles vão tentar uma fuga? O sentimento de liberdade, inerante em todos os seres humanos irá um dia surgir no coração daqueles pobres coitados? 

 Daqui para frente, vamos de spoiler. A vontade de se ver livre daquele ambiente aparentemente estéril mas carregado pelo desejos dominadores do pai se fortalece quando a agente de segurança contratada para servir ao rapaz é duramente dispensada porque teria concedido um filme para menina mais nova, mediante chantagem. Diante a demissão, o pai resolve criar um ambiente promíscuo onde os filhos realizem seus desejos sexuais. Só que ele não esperava que a filha mais velha, que é servida com objeto sexual do irmão tivesse uma reação tão repulsiva, ao ponto de não querer mais permanecer naquela casa. O sexo tem o papel de catalisador, como em toda a história da humanidade, e mobiliza a fuga da menina, daquele ambiente, mostrando a completa impossibilidade de se prever a reação das pessoas diante dessas situações. O que pode ser visto como uma coisa agradável é capaz se transformar  se transformar no pior dos infernos, dependendo de como ele é representado subjetivamente. Para homens e mulheres, a sexualidade tem contornos distintos, como pretende passar Dentes Caninos.

A direção do filme é competente, mas conservadora. A história se desenrola de forma linear e harmônica, com cortes de cenas secos e pouco poéticos. Talvez para manter o espírito árido, quase asséptico, que é buscado pelo pai, durante toda a história. Isso não impede que também seja gerado um clima tenso e nervoso, que acompanha todo o desenvolvimento do roteiro, que demonstra claramente que a insanidade do pai percorre todo aquele ambiente. Não é uma história fácil de ser digerida, mas capaz de gerar conceitos polissêmicos e um certo estranhamento em algum desavisado. Achei interessante.  

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